1 Esta é a última vontade de
Nephtali, filho de Jacó, que foi dado àquela escrava de Rachel, Bilha,
"batalha de Deus". Quando Nephtali tornou-se um ancião, chegando bem
conservado a uma bela idade, andando porém curvado há bastante tempo, decidiu
dar algumas recomendações aos filhos. Disse-lhes: "Aproximai-vos, queridos
filhos! Escutai as exortações do vosso pai!" Falaram-lhe eles:
"Estamos preparados para ouvir, e desejamos cumprir tudo segundo nos
ordenas".
2 Falou-lhes ele então:
"Nenhuma recomendação vos faço em relação à minha prata, ao meu ouro ou a
qualquer outro bem que debaixo deste sol vos deixo. E nada vos ordeno de tão
difícil, que não possais cumprir. Ao contrário, ordeno-vos algo muito fácil, ao
vosso perfeito alcance". Com isso, pela segunda vez retrucaram-lhe os seus
filhos: "Fala, querido pai! Estamos prontos a ouvir".
3 Ele falou-lhes: "Nada mais
vos recomendo a não ser o temor do Senhor. Servi-O! Aderi a Ele!" Então
disseram-lhe eles: "Em que medida Ele necessita do nosso serviço?"
Respondeu-lhes: "Ele mesmo não necessita de criatura alguma; mas sim as
criaturas do seu mundo d'Ele necessitam. Ele não criou o seu mundo em vão. Suas
criaturas devem temê-lo, e ninguém faça ao seu próximo o que não deseja que
façam a si mesmo!"
4 Então disseram-lhe eles: "O
querido pai! Por acaso observaste que alguma vez nós nos afastamos dos teus
caminhos, ou dos caminhos dos nossos ancestrais?" Respondeu-lhes: "O
Senhor e eu somos testemunhas de que é tal como dizeis. Mas eu temo pelo
futuro. Podereis desencaminhar-vos, seguindo os ídolos de povos estranhos,
comportando-vos segundo as sentenças dos pagão se unindo-vos aos filhos de
José, em vez de aos filhos de Levi e Judá".
5 Disseram-lhe eles então: "Que
tens em mente, pai, ao fazer-nos tal exortação?" Respondeu-lhes: "Eu
sei que os filhos de José afastar-se-ão do Senhor, o Deus dos seus Pais,
induzindo com isso os filhos de Israel ao pecado. Serão eles os culpados por os
filhos de Israel abandonarem a sua boa terra para irem viver no estrangeiro.
Nós também, por causa dele, tivemos outrora de emigrar e servir como escravos
no Egito.
Capítulo 2
1 "Desejo agora falar-vos da
visão que tive na minha cabana de pastor. Eu vi, sim. Éramos doze irmãos que
pastoreávamos no campo. Chegou então nosso pai para junto de nós e exclamou:
'Correi, meus filhos! Agarre cada um o que puder agarrar!' Nós porém lhe
retrucamos: `Mas que devemos agarrar? Não vemos nada a não ser o sol, a lua e
as estrelas'.
2 "Devolveu-nos ele:
'Agarrai-os!' Ao ouvir isso, Levi tomou de um bastão em suas mãos, saltou sobre
o sol, assentou-se sobre ele e cavalgou-o. Judá, ao vê-lo, fez o mesmo. Tomou
de um bastão, saltou sobre a lua e cavalgou-a.
3 "Assim procederam todas as
outras estirpes. Cada uma montou sobre sua estrela e seu planeta no céu. Apenas
José sobrou sozinho sobre a terra. Então nosso pai Jacó perguntou-lhe: `Por
que, meu filho, não fizeste como os teus irmãos?' Ao que ele respondeu: `Meu
pai! O que tem a fazer no céu o nascido de mulher? Eles deverão finalmente
assumir o seu lugar na terra'.
Capítulo 3
1 "Enquanto José ainda assim
falava, apareceu ao seu lado um touro gigantesco. Possuía grandes asas,
semelhantes às da cegonha, e seus chifres erguiam-se ao alto, como os chifres
de um boi bravio. Jacó disse-lhe: `Vamos, José! Sobe! Cavalga-o, meu filho!'
Então José atirou-se sobre o touro. Em seguida, nosso pai Jacó afastou-se de
nós.
2 "E José imperou por quatro
horas sobre o touro, que ora caminhava a passo, ora corcoveava. Depois voou com
ele para o alto, até chegar às proximidades de Judá. Então José, empunhando a
bandeira em sua mão, bateu em seu irmão Judá. Perguntou-lhe então Judá: `Por
que me bates, meu irmão?' Respondeu-lhe: `Estão em tuas mãos doze cetros; e eu
tenho apenas um. Dá-me agora dez deles! Pois então haverá paz!'
3 "Mas Judá recusou-se a
entregar-lhes. Então José bateu nele, até tomar-lhe à força os dez cetros; nas
mãos de Judá ficaram apenas dois. Em seguida, José perguntou aos dez irmãos:
'Por que seguis Judá e Levi? Abandonai-os e segui a mim!' Ao ouvirem isso, os
irmãos de José unanimemente abandonaram Levi e Judá, para acompanharem José.
Com Judá permaneceram apenas Benjamim e Levi. Ao perceber isso, Levi desceu do
sol, com grande apreensão.
4 "E José falou ao seu irmão
Benjamim: 'Ah, caro irmão Benjamim! Por acaso não és tu plenamente meu irmão?
Então, vem tu também comigo!' Contudo, Benjamim recusou-se a acompanhar seu
irmão José. Ao anoitecer, sobreveio uma grande tempestade, e esta separou
completamente José dos seus irmãos, de tal sorte que nem dois deles ficaram
juntos. Ao ter eu presenciado aquela visão, relatei-a ao meu pai Jacó. Este
então disse-me: 'Meu filho! Isso foi um sonho sem importância; e ele não se
repetirá'.
Capítulo 4
1 "Passado pouco tempo, outra
visão foi-me revelada. Estávamos todos junto ao grande mar, com o nosso pai
Jacó. E no meio do mar circulava um navio, sem piloto ou comandante. Então
nosso pai perguntou-nos: 'Estais vendo o que eu vejo?' Respondemos: 'Sim'.
Retrucou-nos então: 'Fazei o que me virdes fazer!' Em seguida, nosso pai tirou
suas roupas e atirou-se ao mar; nós todos procedemos como ele. Levi e Judá
porém levaram dianteira sobre todos os outros e saltaram para o navio, com
Jacó.
2 "Dentro do navio
encontravam-se todos os bens deste mundo. Então o nosso pai Jacó disse a nós:
'Olhai o que está escrito no mastro! Não há nenhum navio que não tenha inscrito
no seu mastro o nome do seu dono'. Levi e Judá então observaram atentamente e
perceberam que havia a seguinte inscrição: 'Este navio, com todos os bens nele
contidos, pertence ao filho de Barakel'.
3 "Ao ouvir isso, nosso pai
alegrou-se grandemente, inclinou-se e deu graças a Deus. E disse: `Não foi
suficiente ter-me Ele abençoado sobre a terra; abençoa-me agora também sobre o
mar'. Logo a seguir, falou a nós todos: `Agarrai, meus filhos, o que cada um
puder pegar, será dele!' Levi imediatamente saltou sobre o grande mastro do
navio e assentou-se. E Judá, em segundo lugar, saltou sobre o segundo mastro,
que se situava perto do mastro de Levi, e igualmente assentou-se sobre ele.
Cada um dos meus outros irmãos empunhou o seu remo, e nosso pai Jacó tomou em
suas mãos os dois remos-leme, dirigindo assim o navio.
4 "Somente José ficou sobrando.
Disse-lhe então nosso pai: 'Meu filho! Meu José! Empunha tu também o teu remo!'
Mas José recusou-se. Ao ver meu pai que José não pegava o seu remo, disse-lhe:
'Vem cá, meu filho! Toma um dos remos-leme que seguro em minhas mãos, e conduze
assim o navio! Possam teus irmãos inclinar-se sobre os remos, até que todos
chegueis em terra firme!' Então instruiu a cada um de nós, dizendo-nos: 'Assim
deveis conduzir o navio agora! Não tenhais medo das ondas do mar, tremendo ao
rugir da tempestade ao vosso redor!'
Capítulo 5
1 "Depois de assim ter-nos
advertido, desapareceu da nossa presença. Nesse momento, José empunhou os dois
remos-leme, um com a mão direita, outro com a mão esquerda; e meus demais
irmãos remavam. Assim o navio seguia e navegava sobre as águas.
2 "E sobre os dois mastros em
que se assentavam, Levi e Judá observavam o rumo que o navio devia seguir. Pelo
tempo em que durava o entendimento entre José e Judá, este instruindo José
sobre o caminho a seguir, e este dirigindo nessa direção, o navio navegava em
segurança, sem bater em escolhos.
3 "Passado algum tempo,
todavia, ocorreu uma desavença entre José e Judá. E José deixou de conduzir o
navio segundo as recomendações do nosso pai e segundo as instruções de Judá.
Então a nave começou a ziguezaguear em todas as direções, até ser finalmente
arremessada pelas ondas contra os recifes, despedaçando-se.
Capítulo 6
1 "Levi e Judá desceram dos
mastros, buscando salvar-se. Também nós, os outros irmãos, salvamo-nos todos na
praia. Em seguida, chegou o nosso pai Jacó e encontrou-nos todos desgarrados,
cada um para o seu lado. Falou-nos: 'Que aconteceu convosco, meus filhos? Com
certeza não conduzistes o navio da forma como era preciso, segundo vos
ordenei'.
2 "Dissemos-lhe: 'Pela vida dos
teus servos! De forma alguma nós nos afastamos das tuas ordens. A culpa toda
cabe a José; não pilotou o navio segundo as tuas instruções e segundo a
orientação de Judá e Levi. Ele tinha ciúmes deles'. Perguntou-nos ele então:
'Mostrai-me onde está o navio!' Viu então que apenas eram visíveis os mastros
da nave que afundava. Em seguida meu pai assoviou e nós todos reunimo-nos em
tomo dele.
3 "Ele então arremessou-se ao
mar, como da primeira vez, e trouxe o navio de volta e repreendeu José, com as
seguintes palavras: 'Meu filho! Não sejas tão insidioso! Não sejas tão invejoso
de teus irmãos! Por pouco todos eles teriam perecido, por tua causa'.
Capítulo 7
1 "Narrei esta visão ao meu
pai. Ele juntou suas mãos, suspirando, enquanto lágrimas se derramavam dos seus
olhos. Aguardei por longo tempo; ele porém não me disse palavra. Tomei então a
mão do meu pai, acariciando-a e beijando-a, e disse-lhe: 'O tu, servo do
Senhor! Por que vertem lágrimas os teus olhos?'
2 "Falou-me: 'Meu filho! Fico
abalado porque uma vez mais tiveste esta visão, e tenho arrepios por causa do
meu filho José. De fato, eu o amava mais do que a vós todos. Todavia, por causa
da sua perversidade, sereis arrastados ao cativeiro e dispersados no meio de
povos pagãos. A tua primeira e a tua segunda visão significam ambas a mesma
coisa; trata-se de uma única visão. Por isso ordeno-vos, meus filhos, que não
vos junteis nunca aos filhos de José, mas tão-somente aos filhos de Levi e
Judá'.
Capítulo 8
1 "Anuncio-vos ainda: Ser-me-á
destinada a parte mais bela do centro da terra; lá podereis comer e saciar-vos
das delícias dos seus frutos. Admoesto-vos, porém, para não decairdes, na vossa
felicidade, para não vos tornardes renitentes, para não contestardes os
Mandamentos do Senhor, Ele que vos alimenta com os dons da sua terra.
2 "Não esqueçais o Senhor,
vosso Deus, Deus dos vossos Pais, o Deus que foi escolhido por nosso pai
Abraão, quando nos dias de Peleg as gerações se separaram. Pois outrora, o
Senhor desceu do seu céu altíssimo e trouxe consigo setenta Anjos servidores,
comandados por Miguel. Ordenou-lhes que ensinassem setenta línguas, exatamente
aos setenta povos que se originaram das coxas de Noé. Os Anjos desceram
imediatamente e cumpriram as ordens do Criador. A língua sagrada, todavia, o
hebraico, permaneceu exclusivamente na casa de Sem e Heber, bem como na casa do
nosso pai Abraão, retendo-a como a língua ancestral.
Capítulo 9
1 "Naquele dia, Miguel
transmitiu uma mensagem do Santo, dizendo a todos aqueles setenta povos:
'Conheceis a apostasia por vós cometida, bem como as traições perante o Senhor
do céu e da terra. Por isso, escolhei agora! A quem desejais servir? Quem
deverá ser o vosso Patrono nas alturas do céu?'
2 "Falou então o iníquo
Nirnrod: 'Para mim não há nenhum outro maior do que o mestre meu e do meu povo,
que numa hora ensinou-nos a língua cuchita'. Da mesma forma falaram também Put,
Misraim, Tubal, Javan, Mesek e Tiras; e cada povo escolheu o seu Anjo. Mas nenhum
deles mencionou o nome do Santo.
3 "Miguel dirigiu-se em seguida
ao nosso pai Abraão: 'A quem escolhes, Abraão? A quem desejas servir?'
Respondeu Abraão: 'A nenhum outro escolho e adoto a não ser Aquele que
pronunciou uma palavra, e o mundo foi criado. Unicamente Aquele que me plasmou
no ventre de minha mãe, corpo dentro de outro corpo, e que colocou em mim
espírito e alma. A Esse eu escolho. A Ele desejo aderir, tanto eu quanto todos
os meus, por toda a eternidade'.
Capítulo 10
1 "Dessa forma, o Altíssimo
dividiu as nações, distribuindo a cada povo o que lhe cabia. Desde aquele
tempo, todos os povos da terra separaram-se do Senhor. Somente a casa de Abraão
permaneceu junto ao seu Criador, servindo-O; assim também o fizeram depois
Isaac e Jacó. Por isso, advirto-vos, meus filhos. Não apostateis! A nenhum
outro.
Deus
sirvais, a não ser o Deus que foi escolhido por vossos Pais!
2 "Pois tendes perfeito
conhecimento de que nenhum outro se Lhe compara. Nenhum outro pode fazer, como
Ele fez, as obras do céu e da terra. Nenhum outro pode operar tais maravilhas,
que são a prova do Seu poder. Podeis ver na criação do homem uma amostra do Seu
imenso poder. Quão grandes maravilhas nele estão reunidas!
3 "Foi criado por Ele, da
cabeça aos pés. Com seus ouvidos escuta; com seus olhos vê; com seu cérebro
pensa; com seu nariz cheira; com seus canais respiratórios produz sons; com sua
goela ingere comida e bebida; com sua língua fala; com sua boca ensina; com
suas mãos realiza trabalhos; com o seu entendimento medita; com o seu baço ri;
com seu fígado irrita-se; com o seu estômago digere; com os seu pés anda. Os
pulmões aí estão para respirar; com os seus rins ele se aconselha.
4 "E nenhum dos seus membros
altera a sua função; cada um deles guarda o seu domínio. Portanto, convém que o
homem considere Quem o criou, Quem o plasmou no corpo da mulher, a partir de
uma gota malcheirosa, Quem o trouxe à luz do mundo, Quem lhe deu a luz dos
olhos e a capacidade de andar com os seus pés, Quem o colocou ereto, firmando-o
sobre as suas bases, Quem predispôs boas ações na sede do seu entendimento,
Quem infundiu-lhe o alento da vida e um espírito puro, que d'Ele proveio.
5 "Feliz daquele que não
corrompe o Espírito Santo de Deus, que por Este lhe foi infundido. Salve, se
puder devolvê-lo tão puro ao seu Criador como no dia em que lho foi
confiado!"
6 Foram
estas as palavras de Nephtali, filho de Israel, outrora repassadas aos seus
filhos. Foram mais doces ao paladar do que o mel de abelha. E assim. chega ao
fim o último desejo de Nephtali, filho de Jacó.
Nenhum comentário:
Postar um comentário