UM
HEBREU faz um hebreu e [o] chama desta maneira: "prosélito". Mas um
prosélito não faz outro prosélito: [alguns] são como [...] e criam outros:
[outros, todavia] se satisfazem com o fato de chegar a existir.
2
O [escravo] apenas aspira a ser livre e não ambiciona os bens do seu senhor;
mas o filho não é só filho: reclama para si a herança do pai.
3
Os que herdam dos mortos estão eles mesmos mortos e são herdeiros de mortos. Os
que herdam dos vivos vivem eles próprios e são herdeiros de quem está vivo e de
quem está morto. Os mortos não herdam de ninguém, pois como pode herdar quem
está morto? Se o morto herda de quem está vivo, não morrerá. Antes, viverá com
maior razão.
4
Um homem pagão não morre, pois em verdade não viveu nunca, para que logo
[possa] morrer. Aquele que chegou a ter fé na verdade, esse encontrou a vida e
corre perigo de morrer, pois mantém-se vivo.
5
A partir da vinda de Cristo, o mundo é criado, as cidades tomam-se belas e
desaparece tudo que havia fenecido.
6
Enquanto éramos hebreus, estávamos órfãos; apenas possuíamos nossa mãe. Mas ao
fazer-nos cristãos, surgiram para nós um pai e uma mãe.
7
Os que semeiam no inverno colhem no verão. O inverno é um mundo; o verão é o
outro éon. Semeemos o mundo para que possamos colher no verão! Ao inverno
sucede o verão; mas quem se empenha em colher no inverno, não terá colheita,
terá de arrancar.
8
Da mesma maneira que alguém como esse, ele [não] produzirá fruto; e não só isso
[...]: também no outro Sábado permanece [...] estéril.
9
Cristo veio para resgatar alguns, para salvar outros e redimir outros. Ele
resgatou os forasteiros e os fez seus. Ele segregou os seus, penhorando-os
segundo sua vontade. Ao manifestar-se, não só se desprendeu da lama quando lhe
aprouve, como também, desde o dia em que o mundo teve sua origem, a manteve
deposta. Quando quis veio recuperá-la, já que ela havia sido penhorada; havia
caído em mãos de ladrões e feita prisioneira. Mas Ele a libertou, resgatando os
bons que havia no mundo e os maus.
10
A luz e as trevas, a vida e a morte, os da direita e os da esquerda são irmãos
entre si, sendo impossível separar uns dos outros. Por isso nem os bons são
bons, nem os maus são maus, nem a vida é vida, nem a morte é morte. Assim é que
cada um virá a dissolver-se em sua própria origem desde o princípio; mas os que
estão além do mundo são indissolúveis e eternos.
11
Os nomes que se dão às vibrações do mundo são susceptíveis de um grande
equívoco, pois distraem a atenção do estável para o instável. E, assim, quem
ouve (a palavra) "Deus" entende não o estável, mas o instável. O
mesmo ocorre com o "Pai", o "Filho", o "Espírito
Santo", a "Vida", e "Luz", a "Ressurreição",
a "Igreja" e tantos outros; não se entendem os conceitos estáveis,
mas sim os instáveis, a não ser que se conheçam de antemão os primeiros. Estes
estão no mundo [...]; se estivessem no éon nunca seriam citados no mundo nem estariam
entre as coisas ter-renas; eles têm seu fim no éon.
12
Só há um nome que não se pronuncia no mundo: o nome que o Pai deu ao Filho. E
superior a tudo. Trata-se do nome do Pai, pois o Filho não chegaria a ser Pai
se não se houvesse apropriado do nome do Pai. Quem está de posse desse nome o
entende, mas não fala dele; mas os que não estão de posse dele não o entendem.
A verdade criou diferentes nomes neste mundo, porque sem eles é de todo
impossível apreendê-la. A verdade é única e múltipla por nossa causa, para
ensinar-nos, através de muitos este único nome por amor.
13 Os Archontes quiseram enganar
o homem, vendo que ele tinha parentesco com os verdadeiramente bons: tiraram o
nome dos que são bons e o deram aos que não são bons, com o fito de enganar por
meio dos nomes e vinculá-lo aos que não são bons. Logo - no caso de que queiram
prestar-lhes um favor - farão que se separem dos que não são bons e os
integrarão entre os que são bons, que eles conheciam de antes. Pois eles
pretendiam raptar o que é livre e fazê-lo seu escravo para sempre.
14
Há Potências que [são] outorgadas ao homem [...], pois não quer que este
[chegue a salvar-se] para que elas consigam ser [...]; pois se o homem [se
salva], fazem-se sacrifícios [...] e se oferecem animais às Potências. [E a
estas] que se fazem tais oferendas, (que) no momento de ser ofertadas estavam
vivas, mas ao ser sacrifica das morreram. O homem, de sua parte, foi oferecido
a Deus em estado de morte e viveu.
15
Antes da vinda de Cristo não havia pão no mundo. O mesmo sucedia no paraíso —
lugar em que morava Adão — havia aí muitas árvores para alimento dos animais,
mas não havia trigo para alimentar o homem. Este nutria-se como os animais. Mas
Cristo - o perfeito - ao vir, trouxe pão do céu para que o homem se alimentasse
com alimento de homem.
16 Os Archontes acreditavam que
por sua força e por sua vontade faziam o que faziam; mas era o Espírito Santo
que operava ocultamente em tudo, através deles, segundo sua vontade. Eles
semeiam por toda parte a verdade, que existe desde o princípio, e muitos a
contemplam ao ser semeada; mas poucos dos que a contemplam a colhem.
17 Alguns dizem que Maria
concebeu por obra do Espírito Santo. Fases se equivocam, não sabem o que dizem.
Quando alguma vez uma mulher foi concebida de uma mulher? Maria é a virgem a
quem Potência alguma jamais manchou. Ela é um grande anátema para os judeus que
são os apóstolos e os apostólicos. Esta Virgem que nenhuma Potência violou,
[... enquanto que] as Potências se contaminaram. O Senhor não [teria] dito:
"Pai meu que estás nos céus", se não tivesse outro pai; do contrário
haveria dito simplesmente: "[Pai meu]".
18
O Senhor disse a seus discípulos: [...] "Entrai na casa do Pai, mas não
tomeis nem leveis nada da casa do Pai".
19
"Jesus" é um nome secreto, "Cristo" é um nome público. Por
isso "Jesus" não existe em língua alguma, apenas seu nome é
"Jesus", como geral-mente é chamado. "Cristo", todavia -
pelo que diz respeito ao seu nome em siríaco -, é Messias, do mesmo modo que em
grego e em outras línguas, com as necessárias adequações. "O
Nazareno" é [o nome] que está manifestado no oculto.
20
Cristo encerra tudo em si mesmo - seja "homem", seja
"anjo", seja "mistério" -, incluindo o Pai.
Os
que dizem que o Senhor primeiro morreu e depois ressuscitou, enganam-se, pois
primeiro ressuscitou e depois morreu. Se alguém não consegue primeiro a
ressurreição não morrerá; tão verdade quanto Deus vive, este [morrerá].
22
Ninguém esconde um objeto grande e precioso em um recipiente grande, mas muitas
vezes se guardam tesouros sem conta em um cofre que não vale mais do que um
maravedi. Isso ocorre com a alma: é um objeto precioso que veio cair em um
corpo desprezível.
23
Há os que têm medo de ressuscitar nus e por isso querem ressuscitar em carne.
Estes não sabem que os que estão revestidos de carne são os nus. Aqueles que
[ousam] desnudar-se são precisamente [os que] não estão nus. "Nem a carne
[nem o sangue] herdarão o reino [de Deus]". Qual é a [carne] que não vai
herdar? A que usamos por cima de nós. E qual, ao contrário, é a carne que
herdará? A [carne] de Jesus e seu sangue. Por isso disse Ele: "Aquele que
não come minha carne e não bebe meu sangue não tem vida em si." E que é
isso? Sua carne é o Logos [verbo] e seu sangue é o Espírito Santo. Quem recebeu
tais coisas possui alimento, bebida e roupa. Eu recrimino os outros que afirmam
que [a carne] não vai ressuscitar, pois uns e outros estão errados. Tu dizes
que a carne não ressuscitará. Diz-me então o que é que vai ressuscitar, para
que possamos aplaudir-te. Tu dizes que o Espírito [está] dentro da carne e que
também esta luz está dentro da carne. Mas o Logos é esse outro que também está
dentro da carne, pois — qualquer das coisas a que te refiras — nada poderás
aduzir que se encontre fora do interior da carne. E, pois, necessário
ressuscitar nesta a carne, já que nela tudo está contido.
24
Neste mundo, aqueles que vestem uma roupa valem mais do que a própria roupa. No
reino dos céus, [todavia,] valem mais as roupas que aqueles que as vestem, pois
são de água e fogo, que a tudo purificam.
25
Os que estão manifestados [o estão] graças aos que estão manifestados e os que
estão ocultos o estão graças aos que estão ocultos. Há quem [se mantém] oculto
graças aos que estão manifestados. Há água na água e fogo na unção.
26
Jesus ocultou-se de todos, pois não se manifestou como era integralmente, e sim
dentro das possibilidades de cada um. Assim é que apareceu [o..] grande aos
grandes, pequeno aos pequenos, como anjo aos anjos e como homem aos homens. Por
isso seu Logos se manteve oculto a todos. Alguns o viram e acreditavam que se
viam a si mesmos; mas quando se manifestou gloriosamente aos seus discípulos
sobre a montanha, não era pequeno: se havia feito grande e fez grandes seus
discípulos para que estivessem em condições de vê-lo grande [a Ele mesmo]. E
disse naquele dia na ação de graças: "Tu que uniste o perfeito e a luz com
o Espírito Santo, une também os anjos conosco, com as imagens".
27
Não desprezeis o Cordeiro, pois sem ele não é possível ver o rei. Ninguém
poderá pôr-se a caminho para o rei estando nu.
28
Mais numerosos são os filhos do homem celestial que os do homem terreno. Se são
numerosos os filhos de Adão — apesar de mortais — quanto mais os filhos do
homem perfeito, que não só não morrem como são engendrados ininterruptamente.
29
O pai faz um filho e o filho não tem possibilidade de fazer por sua vez um
filho: pois quem foi engendrado não pode engendrar, e o filho procura irmãos,
não filhos.
30
Todos os que são engendrados no mundo são engendrados pela natureza, o resto pelo
[espírito]. Os que são engendrados por este [dão gritos] ao homem daqui de
baixo [para...] da promessa [...] de cima.
31
[Aquele que...] pela boca; [se] o Logos tivesse saído dali se alimentaria pela
boca e seria perfeito. Os perfeitos são fecundados por um beijo e engendram.
Por isso nós nos beijamos uns aos outros [e] recebemos fecundação pela graça
que nos é comum.
32
Três [eram as que] caminhavam continuamente com o Senhor: sua mãe Maria, a irmã
desta e Madalena, a quem se designa como sua companheira. Maria é, de fato, sua
irmã, sua mãe e companheira.
33
"Pai" e "Filho" são nomes simples; "Espírito
Santo" é um nome composto. Aqueles se encontram em toda parte: acima,
abaixo, no oculto e no manifestado. O Espírito Santo está no revelado, abaixo,
acima, oculto.
34
As Potências malignas estão ao serviço dos santos, depois de haverem sido
reduzidas à cegueira pelo Espírito Santo, para que cressem que serviam a um
homem e que assim estariam atuando em favor dos santos. Por isso [quando] um
dia um discípulo pediu ao Senhor uma coisa do mundo - Ele lhe disse: "Pede
a tua mãe e ela te fará partícipe das coisas alheias".
35
Os apóstolos disseram a seus discípulos: "Que toda nossa oferenda procure
sal ela própria." Eles designavam por "sal" a [a Sofia], pois
sem ela nenhuma oferenda é aceitável.
36
A Sofia é estéril, [sem] filhos, por isso [também] é chamada de
"sal". No lugar em que aqueles [...] à sua maneira [é] o Espírito
Santo; [por isso] são numerosos seus filhos.
37
O que o Pai possui pertence ao filho, mas enquanto este é pequeno não se lhe
confia o que é seu. Quando se faz homem, então dá-lhe o pai tudo quanto possui.
38
Quando os engendrados pelo espírito erram, erram também por ele. Pela mesma
razão um mesmo sopro atiça o fogo e o apaga.
39
Uma coisa é "Echamoth", outra é "Echmoth". Echamoth é a
Sofia por antomásia, enquanto que Echmoth é a Sofia da morte, aquela que
conhece a morte, a quem chamam "Sofia a pequena".
40
Há animais que vivem submetidos ao homem, tais como as vacas, o burro e outros
semelhantes. Há outros, todavia, que não se submetem e vivem sozinhos, em
paragens desertas. O homem ara o campo com animais domésticos e assim se
alimenta a si mesmo e aos animais, tanto aos que se submetem como aos que não
se submetem. O mesmo se passa com o homem perfeito: com [a ajuda das] Potências
que lhe são dóceis, ara [e] cuida para que todos subsistam. Por isso mantém o
equilíbrio, quer se trate dos bons, quer dos maus, dos que estão à direita e
dos que estão à esquerda. O Espírito Santo apascenta a todos e exerce seu
domínio sobre [todas] as Potências, tanto sobre as dóceis quanto sobre as
[indóceis] e solitárias, pois ele [...] as prende para que [...] quando
queiram.
41
[Se Adão] foi criado [...], estarás de acordo em que seus filhos são obras
nobres. Se ele não houvesse sido criado, mas sim engendrado, estarias também de
acordo em que sua posteridade é nobre. Pois bem, ele foi criado e [por sua vez]
engendrou. Que nobreza isto pressupõe!
42
Primeiro houve adultério e depois [veio] o assassino engendrado no adultério,
pois era o filho da serpente. Por isso se tomou homicida como seu pai e matou
seu irmão. Pois bem, toda relação sexual entre seres não semelhantes entre si é
adultério.
43
Deus é tintureiro. Assim como a boa tinta - chamada de "autêntica" -
só desaparece quando as coisas que com ela são tingidas se corrompem, o mesmo
ocorre com aqueles a quem Deus tingiu: posto que sua tinta é imperecível,
graças a ela eles mesmos se tomam imortais. Pois bem, Deus batiza os que batiza
com água.
44
Ninguém pode ver quem quer que seja estável a não ser que ele mesmo se
assemelhe ao estável. Com a verdade não ocorre o mesmo que com o homem enquanto
se encontra neste mundo, pois ele vê o sol sem ser o sol e contempla o céu e a
terra e todas as outras coisas sem serem elas mesmas. Tu, ao contrário, viste
algo daquele lugar e te converteste naquelas coisas que havias visto: viste o
espírito e te fizeste espírito; viste Cristo e te fizeste Cristo; viste [o Pai]
e te fizeste pai. Por isso,tu [aqui] vês todas as coisas e não [te vês] a ti
próprio; mas [ali], sim, te verás, pois [chegarás a ser] o que estás vendo.
45
A fé recebe, o amor dá. [Ninguém pode receber] sem a fé; ninguém pode dar sem
amor. Por isso creiamos, para poder receber; mas, para poder dar de verdade [temos
de amar também]; pois se alguém dá, mas não por amor, não tira utilidade alguma
do que deu.
46
Os apóstolos, antes de nós, o chamaram assim: "Jesus o Nazareno,
Messias" - que quer dizer "Jesus o Nazareno, o Cristo". O último
nome é "O Cristo"; o primeiro, "Jesus"; o do meio é o
"o Nazareno". "Messias" tem um duplo significado: "o
Cristo" e "o Medido". "Jesus", em hebraico, é "a
Redenção. O Cristo foi medido: o Nazareno e o Jesus são os que foram medidos.
48
Se se atira a pérola ao monturo, nem por isso ela perde seu valor. Tampouco se
faz mais preciosa ao ser tratada com ungüento de bálsamo, mas aos olhos do
proprietário conserva sempre o seu valor. O mesmo ocorre com os filhos de Deus
onde quer que estejam, pois conservam sempre seu valor aos olhos do Pai.
49
Se dizes "sou judeu", ninguém se inquietará; se dizes "sou
grego", bárbaro, escravo ou livre, ninguém se perturbará. [Mas se dizes]
"sou cristão", [todo mundo] começará a tremer. Oxalá possa eu [...]
este signo que E...1 não são capazes de suportar [...] esta denominação!
50
Tanto as vasilhas de vidro como as de argila se fazem à base de fogo. As de
vidro podem ser remodeladas se rompem-se, pois foram fabricadas por um sopro.
As de argila, ao contrário, se rompem-se ficam destruídas definitivamente, pois
nenhum sopro interveio em sua fabricação.
51
Um asno, dando voltas em tomo de uma roda de moinho, caminhou cem milhas, e
quando o desjungiram ainda se encontrava no mesmo lugar. Existem homens que
fazem muito caminho sem se mover um passo em direção alguma. Ao se verem
surpreendidos pelo crepúsculo não chegaram a divisar cidades, nem aldeias, nem
criaturas, nem natureza, nem potência ou anjo. Em vão se esforçaram, os pobres!
52
A Eucaristia é Jesus, pois a este se chama em siríaco "Pharisata",
que quer dizer "aquele que está estendido" o Jesus veio, realmente, a
crucificar o mundo.
53
O Senhor foi à tinturaria de Levi, tomou setenta e duas cores e atirou-as na
tina. Depois tirou-as todas tingidas de branco e disse: "Assim foi que as
tomou o filho do filho do homem [...].
54
A Sofia — a quem chamam "a estéril" — é a mãe dos anjos: a
companheira [de Cristo é Maria] Madalena. [O Senhor amava Maria] mais do que a
todos os discípulos. Os demais [...] lhe disseram: `Por que a queres mais que a
todos nós"? O Salvador respondeu lhes: "A que se deve isso que não
vos quero tanto quanto a ela"?
55
Um cego e um que vê-se se encontrarem ambos às escuras - não se distinguem um
do outro; mas quando chegarem à luz o que vê será a luz enquanto que o cego
permanecerá na obscuridade.
56
Disse o Senhor: "Bem-aventurado é aquele que é antes de chegar a existir,
pois o que é, era e será".
57
A superioridade do homem não é patente e sim oculta. Por isso domina as besta
que são mais fortes do que ele e de grande tamanho - tanto na aparência quanto
na realidade - e proporciona-lhes subsistência. Mas quando deixa, elas se matam
umas às outras e se mordem até devorar-se mutuamente por não achar o que comer.
Mas agora - uma vez que o homem trabalhou a terra - encontraram seu sustento.
58
Se alguém - depois de baixadas as águas - sai dela; sem nada haver recebido e
diz "sou cristão", [somente] ter recebido este nome de empréstimo.
Mas, se recebe o Espírito Santo, fica de posse do (citado) nome a título de
doação. Nada se tira de quem recebeu um presente, mas reclama-se a devolução do
empréstimo a quem o recebeu.
59
O mesmo ocorre quando alguém foi [...] em um mistério. O mistério do matrimônio
[é] grande, pois [sem ele] o mundo não existiria. A consistência [do mundo
depende do homem], a consistência [do homem depende do] matrimônio. Reparai na
união [sem mancha]. pois tem [um grande] poder. Sua imagem está vinculada à
poluição [corporal].
60
Entre os espíritos impuros existem machos e fêmeas. Os machos são aqueles que
copulam com as almas que estão alojadas em uma figura feminina. As fêmeas, ao
contrário, são aquelas que estão unidas com os que se abrigam em um figura
masculina por culpa de uma desobediente. E ninguém poderá fugir desses
espíritos se cair em poder deles, a não ser que seja dotado simultaneamente de
uma força masculina e outra feminina — isto é, esposo e esposa — provenientes
da câmara nupcial em imagem. Quando as mulheres néscias descobrem um homem
solitário lançam-se sobre ele, gracejam com ele e o mancham. O mesmo ocorre com
os homens néscios: se descobrem um mulher formosa que vive só procuram
insinuar-se e até forçá-la, com o fito de violá-la. Mas se vêem que homem e
mulher vivem juntos, nem as fêmeas podem aproximar-se do macho nem os machos
das fêmeas. O mesmo acontece se a imagem e o anjo estão unidos entre si:
ninguém se atreverá tampouco a se acercar do homem ou da mulher. Aquele que sai
do mundo não pode cair preso pela simples razão de que [já] esteve no mundo.
Está claro que este é superior à concupiscência [...e ao] medo; é senhor de
seus [...] e mais freqüente que os ciúmes. Mas se [se trata de...], prendem-no
e o sufocam, e como poderá [este] fugir de [...] e pôr-se em condições de
[...]? [Com freqüência vêm] alguns [e dizem] "nós somos crentes", [a
fim de escapar de...e] demônios. Se estes tivessem estado de posse do Espírito
Santo, nenhum espírito imundo teria aderido a eles.
61
Não tenhas medo da carne nem a ames: se a temeres, assenhorear-se-á de ti; se a
amares, te devorará e entorpecerá.
62
Ou se está neste mundo, ou na ressurreição, ou em locais intermediários. Queira
Deus que a mim não me encontrem nestes! Neste mundo há coisas boas e coisas
más. Mas há algo mau depois deste mundo que é na verdade pior e que chamam o
"Intermédio", que dizer, a morte. Enquanto estivermos neste mundo é
conveniente que nos esforcemos por conseguir a ressurreição, para que — uma vez
que deponhamos a carne nos achemos no descanso e não tenhamos de ir errando no
"Intermédio". Muitos, realmente, erram o caminho. E, pois,
conveniente sair deste mundo antes que o homem haja pecado.
63
Alguns nem querem nem podem; outros, ainda que queiram, de nada lhes serve por
não terem feito. De maneira que um [simples] "querer" os faz
pecadores, do mesmo modo que um "não querer". A justiça se esconderá
de ambos. O "querer" [é...], o "fazer", não.
64
Um discípulo dos apóstolos viu em uma visão algumas [pessoas] encerradas em uma
casa em chamas, acorrentadas com grilhões de fogo e atiradas [em um mar] de
fogo. [E diziam...] água sobre [...]. Mas estes replicavam que — muito contra
sua vontade — [não] estavam em condições de [as] salvar. Eles receberam [a
morte como] castigo, aquela que chamam de "treva [exterior]" por [ter
sua origem] na água e no fogo.
65
A [alma] e o espírito chegaram à existência partindo de água, fogo e luz [por
mediação] do filho da câmara nupcial. O fogo é a unção, a luz é o fogo; não
estou falando desse fogo que não possui forma alguma, mas do outro cuja forma é
branca, que é refulgente e belo e irradia [por sua vez] formosura.
66
A verdade não veio nua a este mundo, mas envolta em símbolos e imagens, já que
de outra maneira não poderia ser recebida. Há uma regeneração e uma imagem de
regeneração. E na verdade necessário que se renasça através da imagem. Que é a
ressurreição? E preciso que a imagem ressuscite pela imagem; é preciso que a
câmara nupcial e a imagem através da imagem entrem na verdade que é a
restauração final. E conveniente [tudo isto] para aqueles que não apenas
recebem, mas que fizeram seu por méritos próprios o nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. Se uma pessoa não os obtém por si mesma, até o próprio nome lhe
será arrebatado. Pois bem, esses nomes se conferem na unção com o bálsamo da
força E...1 que os apóstolos chamavam "a direita" e "a
esquerda". Pois alguém assim não é mais um [simples] cristão, mas um
Cristo.
67
O Senhor [realizou] todo um mistério: um batismo, uma unção, uma eucaristia,
uma redenção e uma câmara nupcial.
68
[O Senhor] disse: "Vim fazer [as coisas inferiores] como as superiores [e
as externas] como as [internas, para uni-las] todas no lugar". [Ele se
manifestou aqui] através de símbolos [...]. Aqueles, pois, que dizem:
"[...] há quem está em cima [...]", se enganam, [pois] o que se
manifesta [...] é o que chamam o "de baixo" e o que possui o oculto está
em cima dele. Com razão, pois se fala da "parte interior" e da
"exterior" e "da que está fora da exterior". E assim o
Senhor chamava a perdição de "treva exterior, fora da qual nada há".
Ele disse: "Meu Pai que está escondido", e também: "Entra em tua
habitação, fecha a porta e ora a teu Pai que está escondido", justo é,
"o que está no interior de todos eles". Pois bem, o que está dentro
deles é a Pleroma: mais interior do que ela não existe nada. Este é
precisamente aquele de quem se diz: "Está por cima deles".
69
Antes de Cristo saíram alguns do lugar a que não haveriam de voltar a entrar e
entraram no lugar de onde não haveriam de voltar a sair. Mas Cristo, com sua
vinda, tirou para fora os que haviam entrado e pôs para dentro os que haviam
saído.
70
Enquanto Eva estava [dentro de Adão; não existia a morte, mas quando se separou
[dele] sobreveio a morte. Quando esta retomar e ele a aceitar, deixará de
existir a morte.
71
"Deus meu! Deus meu! Por que Senhor, tanto me glorificas?" Isto disse
Ele sobre a cruz depois de separar este Pai lugar [de tudo que] havia sido
engendrado por [...] através de Deus. [O Senhor ressuscitou] de entre os mortos
[...]. Mas seu corpo era perfeito: [tinha, sim,] uma carne, mas esta [era uma
carne] de verdade. [Nossa carne, ao contrário], não é autêntica, [mas] uma
imagem da verdadeira.
72
A câmara nupcial não é feita para as bestas nem para os escravos nem para as
mulheres sem honra, e sim para os homens livres e para as virgens.
73
Em verdade, somos engendrados pelo Espírito Santo mas reengendrados por Cristo.
Em ambos os [casos] somos também ungidos pelo espírito e - ao ser engendrados -,
fomos unidos também.
74
Sem luz ninguém poderá contemplar-se a si mesmo, nem em uma superfície de água
nem em um espelho; mas se não tens água ou espelho - ainda que tenhas luz -,
tampouco poderás contemplar-te. Por isso é necessário batizar-se com duas
coisas: com a luz e com a água. Pois bem, a luz é a unção.
75
Três eram os lugares em que se faziam oferendas em Jerusalém: um, que se abria para
o Poente, chamado o "Santo"; outro, aberto para o Sul, chamado o
"Santo do Santo", e o terceiro, aberto para o Oriente, chamado o
"Santo dos Santos", por onde só podia entrar o Sumo Sacerdote. O
batismo é o "Santo", [a redenção] é o "Santo do Santo", enquanto
que a câmara nupcial é o "[Santo] dos Santos". [O batismo] traz
consigo a ressurreição [e a] redenção, mas esta se realiza na câmara nupcial.
Mas a câmara nupcial encontra-se na cúpula [de...]. Tu não serás capaz de
encontrar [...] aqueles que fazem oração [...] Jerusalém [...] Jerusalém [...]
Jerusalém [...] chamada `Santo dos Santos" [...] o véu [...] a câmara
nupcial, mas sim a imagem [...]. Seu véu rasgou-se de alto a baixo, pois era
preciso que alguns subissem de baixo para cima.
76
Aqueles que se vestiram da luz perfeita não podem ser vistos pelas Potências
nem detidos por elas. Pois bem, podemos revestir-nos desta luz no sacramento,
na união.
77
Se a mulher não se houvesse separado do homem, não teria morrido com ele. Sua
separação tomou-se o começo da morte. Por isso veio Cristo, para anular a
separação que existia desde o princípio, para unir a ambos e para dar a vida
àqueles que haviam morrido na separação e uni-los de novo.
78
Pois bem, a mulher se une com o marido na câmara nupcial.
79
A alma de Adão chegou à existência por um sopro. Seu cônjuge é o [espírito; o
espírito] que lhe foi dado é sua mãe [e com] a alma lhe foi outorgado [...] em
seu lugar. Ao unir. se [pronunciou] algumas palavras que são superiores às
Potências. Estas tiveram-lhe inveja [...] união espiritual [...].
80
Jesus manifestou [sua glória no] Jordão. A plenitude do reino dos céus, que
[preexistia] ao Todo, nasceu ali de novo. O que antes [havia sido] ungido, foi
ungido de novo. O que havia sido redimido, por sua vez redimiu.
81
Digamos - se é permitido - um segredo: o Pai do Todo se uniu com a virgem que
havia descido e um fogo o iluminou naquele dia. Ele deu a conhecer a grande
câmara nupcial, e por isso seu corpo - que teve origem naquele dia - saiu da
câmara nupcial como quem tivesse sido engendrado pelo esposo e a esposa. E
também, graças a estes, encaminhou Jesus o Todo a ela, sendo preciso que todos
e cada um dos seus discípulos entrem em seu lugar de repouso.
82
Adão deve sua origem a duas virgens, isto é, ao Espírito e à terra virgem. Por
isso Cristo nasceu de uma Virgem, para reparar a queda que ocorreu no
princípio.
83
Duas árvores há no [centro do] paraíso: uma produz [animais], outros homens.
Adão [comeu] da árvore que produzia animais e se converteu ele próprio em
animal e engendrou animais. Por isso os [filhos] de Adão adoram [os animais]. A
árvore [cujo] fruto [Adão comeu] é [a árvore do conhecimento]. [Por] isso
multiplicaram-se [os pecados]. [Se ele houvesse] comido [o fruto da outra
árvore, quer dizer], o fruto da [árvore da vida, que] produz homens, [então os
deuses adorariam] o homem. Deus fez [o homem] e o homem faria Deus.
84
O mesmo ocorre no mundo: os [homens] produzem deuses e adoram a obra de suas
mãos. Seria conveniente que os deuses venerassem os homens, como corresponde à
lógica.
85
As obras do homem provêm de sua potência: por isso são chamadas as
"Potências". Obras suas são também seus filhos, procedentes de um
repouso. Por isso sua potência se origina das suas obras, enquanto que o
repouso se manifesta em seus filhos. E estarás de acordo em que isto diz
respeito à [própria] imagem. Assim, pois, aquele é um homem modelo, que realiza
sua obra por sua força mas engendra seus filhos no repouso.
86
Neste mundo os escravos servem aos livres; no reino dos céus, os livres
servirão aos escravos, [e] os filhos da câmara nupcial aos filhos do
matrimônio. Os filhos da câmara nupcial têm um nome [...]. O repouso [é comum]
a ambos: não têm necessidade de [...].
87
A contemplação [...].
88
[... ] Cristo baixou à água [...] para redimi-la; [...] aqueles que Ele [... ]
por seu nome. Pois Ele disse: "[E conveniente] que cumpramos tudo aquilo
que é justo".
89
Os que afirmam que primeiro é preciso morrer e depois ressuscitar se enganam.
Se não se recebe primeiro a ressurreição em vida, nada se receberá ao morrer.
Nestes termos se expressam também acerca do batismo, dizendo: "Grande
coisa é o batismo, pois quem o recebe viverá".
90
O apóstolo Felipe disse: "José o carpinteiro plantou um viveiro porque
necessitava de madeira para o seu oficio. Ele foi quem construiu a cruz com as
árvores que havia plantado. Sua semente ficou aderida ao que ele havia
plantado. Sua semente era Jesus, e a cruz, a árvore".
91
Mas a árvore da vida está no centro do paraíso, e também a oliveira, de que
procede o óleo graças a qual [chegou-nos] a ressurreição.
92
Este mundo é necrófago: tudo que nele se come [se ama também]. A verdade, ao
contrário, se nutre da vida, [por isso] nenhum dos que [dela] se alimentam
morrerá. Jesus veio [do outro] lado e trouxe alimento [dali]. Aos que desejavam
deu Ele [vida para que] não morressem.
93
[Deus plantou um] paraíso; o homem [viveu no] paraíso [o..]. Este paraíso [é o
lugar onde me dirão: ["Homem, come] disto ou não comas [disto, conforme
teu] desejo”. Esse é o lugar onde comerei de tudo, já que ali se encontra a
árvore do conhecimento. Esta causou a morte de Adão e deu, ao invés, vida aos
homens. A lei era a árvore: esta tem a propriedade de facilitar o conhecimento
do bem e do mal, mas nem afastou [ao homem] do mal nem o confirmou no bem,
senão que trouxe consigo a morte para todos aqueles que dela comeram. Pois ao
dizer: "Comei isto, não comais isto", transformou-se em princípio da
morte.
94
A unção é superior ao batismo, pois é por ela que recebemos o nome de cristãos,
não pelo batismo. Também Cristo foi chamado assim pela unção, pois o Pai ungiu
o Filho, o Filho aos apóstolos e estes nos ungiram a nós. Quem recebeu a unção
está de posse do Todo: da ressurreição, da luz, da cruz e do Espírito Santo. O
Pai outorgou-lhe tudo isso na câmara nupcial. O Pai [o] recebeu.
95
O Pai colocou sua morada no [Filho] e o Filho no Pai: isto é o reino dos céus.
96
Com razão disse o Senhor: "Alguns entraram sorrindo no reino dos céus e
saíram [...]". Um cristão [...] e imediatamente [desceu] à água e subiu
[sendo senhor do] Todo; [não] porque pensava que era uma zombaria, mas [porque]
desprezava isto [como indigno do] reino [dos céus]. Se [o] despreza o toma como
zombaria, [sairá dali] rindo.
97
O mesmo ocorre com o pão, o cálice e o óleo, se bem que haja outro [mistério]
que é superior a este.
98
O mundo foi criado por culpa de uma transgressão, pois aquele que o criou
queria fazê-lo imperecível e imortal mas caiu e não pôde realizar suas
aspirações. De fato não havia incorruptibilidade nem para o mundo nem para quem
o havia criado, já que incorruptíveis não são as coisas mas os filhos, e
nenhuma coisa poderá ser perdurável a não ser que se faça filho, pois como
poderá dar quem não está com disposição para receber?
99
O cálice da oração contém vinho e água, porque serve de símbolo do sangue,
sobre o qual se faz a ação de graças. Está cheio do Espírito Santo e pertence
ao homem inteiramente perfeito. Ao bebê-lo faremos nosso o homem perfeito.
100
A água é um corpo. É preciso que nos revistamos do homem vivente: por isso,
quando nos dispomos a descer à água, temos de nos desnudar para podermos
vestir-nos com ele.
101
Um cavalo engendra um cavalo, um homem engendra um homem e um deus engendra um
deus. O mesmo ocorre com o esposo e [a esposa: seus filhos] tiveram sua origem
na câmara nupcial. Não houve judeus [que descendessem] de gregos [enquanto]
estava em vigor [a Lei. Nós, entretanto, descendemos de] judeus [apesar de]
cristãos [...]. Estes foram chamados [...] "povo escolhido" de [...]
e "homem verdadeiro" e "Filho do homem" e "semente do
Filho do homem". Esta é a que o mundo chama de "a raça
autêntica".
102
Estes são do lugar onde se encontram os filhos da câmara nupcial. A união é
constituída neste mundo por homem e mulher, sede da força e da debilidade; no
outro mundo a forma de união é muito diferente.
103
Nós os chamamos assim mas outras denominações superiores a qualquer dos nomes
que se possam dar-lhes e superiores à [própria] violência. Os de lá não são um
e outro, mas ambos são um só. O daqui é aquele que nunca poderá ultrapassar o
sentido carnal.
104
Não é preciso que todos os que se encontram de posse do Todo se conheçam a si
mesmos inteiramente. Alguns dos que não se conhecem a si mesmos não gozarão, é
verdade, das coisas que possuem. Mas os que houverem alcançado o próprio
conhecimento, esses, sim, gozarão delas.
105
O homem perfeito não só não poderá ser detido como nem sequer poderá ser visto,
pois se o vissem o reteriam. Ninguém estará em condições de conseguir de outra
maneira esta graça, a [não] ser que se revista da luz perfeita e [se converta
em homem] perfeito. Todo aquele que [se houver revestido dela] caminhará [...]:
esta é a [luz] perfeita.
106
[E preciso] que nos façamos [homens perfeitos] antes de sairmos [do mundo].
Quem recebeu o Todo [sem ser senhor] destes lugares [não] poderá [dominar]
naquele lugar; em vez disso, [irá parar no lugar] intermediário como
imperfeito. Só Jesus conhece o fim deste.
107
O homem santo o é inteiramente, até mesmo no que toca a seu corpo, posto que se
ao receber o pão ele o santifica - do mesmo modo que santifica o cálice ou
qualquer outra coisa que recebe - como não fará santo também ao corpo?
108
Da mesma maneira que Jesus [fez] perfeita a água do batismo, também liquidou a
morte. Por isso nós descemos - é verdade - até a água, mas não baixamos até a
morte, para não ficarmos submersos no espírito do mundo. Quando este sopra faz
sobrevir o inverno, mas quando é o Espírito que sopra faz-se verão.
109
Quem possui o conhecimento da verdade é livre; pois bem, quem é livre não peca,
já que só peca quem é escravo do pecado. A mãe é a verdade, enquanto que o
conhecimento é o pai. Aqueles aos quais não é permitido pecar, o conhecimento
da verdade eleva os corações, isto é, os faz livres e os põe acima de todos os
lugares. O amor,por seu lado, edifica, mas aquele que foi feito livre pelo
conhecimento se faz de escravo por amor àqueles que ainda não chegaram a
receber a liberdade do conhecimento; então este os capacita para fazer-se livres.
[O] amor [não se apropria] de nada, pois como [irá apropriar-se de algo, se
tudo] lhe pertence? Não [diz "isto é meu') ou "aquilo me
pertence", [mas diz "isto é] teu".
110
O amor espiritual é vinho e bálsamo. Dele gozam os que se deixam ungir com ele,
mas também aqueles que são alheios a estes, desde que os ungidos continuem [ao
seu lado]. No momento em que os que foram ungidos com bálsamo deixarem de
[ungir-se] e partirem, ficam exalando de novo mau odor os não ungidos que
apenas estavam junto a eles. - O samaritano não deu ao ferido mais do que vinho
e azeite. Isso outra coisa não é se não a unção. E [assim] curou as feridas,
pois o amor cobre inúmeros pecados.
111
Os [filhos] que uma mulher dá à luz se parecem àquele que a ama. Se é o seu
marido, parecem-se ao marido; se um adúltero, se parecem ao adúltero. Sucede
também com freqüência que quando uma mulher se deita com seu marido por
necessidade - enquanto seu coração está ao lado do adúltero com quem mantém
relações - dá à luz o que tem de dar à luz com a aparência do amante. Mas vós,
que estais em companhia do Filho de Deus, não ameis ao mundo e sim ao Senhor,
de maneira que aqueles que vierdes engendrar não se pareçam com o mundo mas com
o Senhor.
112
O ser humano copula com o ser humano, o cavalo com o cavalo, o asno com o asno:
as espécies copulam com seus semelhantes. Desta mesma maneira se une o espírito
com o espírito, o Logos com o Logos [e a luz com a luz. Se tu] te fazes humano,
[é o humano quem te] amará; se te fazes [espírito], é o espírito que se unirá
contigo; se te fazes como um dos de cima, são os de cima que virão repousar
sobre ti; se te fazes cavalo, asno, cão, vaca, ovelha ou qualquer dos animais
que estão fora e que estão abaixo, não poderás ser amado nem pelo ser humano,
nem pelo espírito, nem pelo Logos, nem pela luz, nem pelos de cima, nem pelos
do interior. Estes não poderão vir repousar dentro de ti e tu não farás parte
deles.
113
Aquele que é escravo contra a sua vontade poderá chegar a ser livre. Aquele que
depois de haver alcançado a liberdade pela graça do seu senhor se vendeu a si
mesmo novamente como escravo, não poderá voltar a ser livre.
114
A agricultura [deste] mundo está baseada em quatro elementos: colhe-se partindo
de água, terra, vento e luz. Também a economia de Deus depende de quatro
elementos: fé, esperança, amor e conhecimento, Nossa terra é a fé, na qual
deitamos raízes; a água é a esperança, da qual nos [alimentamos]; o vento é o
amor, pelo [qual] crescemos; a luz [é] o conhecimento, pelo [qual]
amadurecemos.
115
A graça é [...] o lavrador são [...] por cima do céu. Bem-aventurado é aquele
que não atribulou uma alma. Este é Jesus Cristo. Ele veio ao encontro de todos
os lugares sem onerar a ninguém. Por isso é feliz aquele que é assim, pois é um
homem perfeito, já que é o Logos.
116
Perguntai-nos a respeito dele, pois é difícil expô-lo adequadamente. Como
seremos capazes de realizar esta grande obra?
117
Como se irá conceder descanso a todos? Antes de mais nada, não se deve causar
tristeza a ninguém, grande ou pequeno, crente ou não crente. Depois, há que
proporcionar descanso àqueles que repousam no bem. Há pessoas que podem
proporcionar descanso ao homem de bem. Ao que pratica o bem não lhe é possível
proporcionar descanso a estes, pois não está em suas mãos; mas tampouco lhe é
possível causar tristeza, ao não dar oportunidade a que eles sofram angústia.
Mas o homem de bem às vezes lhes causa aflição. E não é que o faça
deliberadamente, mas é a sua própria maldade o que os aflige. Aquele que possui
uma natureza adequada causa prazer a quem é bom, mas alguns se afligem por isso
ao extremo.
118
Um chefe de família se proveu de tudo: filhos, escravos, [gado], cães, porcos,
trigo, cevada, palha, feno, [ossos], carne e bolotas. Era inteligente e
conhecia o alimento (adequado) para cada qual. Aos filhos ofereceu pão, [azeite
e carne]; aos escravos, azeite de rícino [e] trigo; aos animais [deu cevada],
palha e feno; [aos] cães, ossos; [aos porcos] deu bolotas e [restos de] pão. O
mesmo ocorre com o discípulo de Deus: se é inteligente, compreende o que é ser
discípulo. As formas corporais não serão capazes de enganá-lo; ele se fixará na
disposição de ânimo de cada qual e [assim] falará com ele. Há muitos animais no
mundo que têm forma humana. Se fores capaz de reconhecê-los, deitarás bolotas
aos porcos, enquanto que ao gado darás cevada, palha e feno; aos cães, ossos,
aos escravos distribuirás alimentos rudimentares e aos filhos, o perfeito.
119
Há um Filho do homem e há um filho do Filho do homem. O Senhor é o Filho do
homem, e o filho do Filho do homem é aquele que foi feito pelo Filho do homem.
O Filho do homem recebeu de Deus a faculdade de criar. E ele tem [também] a de
engendrar.
120
Quem recebeu a faculdade de criar é uma criatura; quem recebeu a de engendrar é
um engendrado. Quem cria não pode engendrar, quem engendra não pode criar.
Costuma dizer-se que "quem cria engendra", mas o que engendra é uma
criatura. Por [isso] os que foram engendrados por ele não são seus filhos, mas
[...]. O que cria atua [visivelmente] e ele mesmo permanece oculto: [...] a
imagem. Aquele que cria [o faz] abertamente, mas o que engendra [engendra]
filhos ocultamente.
121
[Ninguém poderá] saber nunca qual é [o dia em que o homem] e a mulher copulam —
fora deles mesmos —, uma vez que as núpcias d[este] mundo são um mistério para
aqueles que tomaram mulher. E se o matrimônio da poluição permanece oculto,
tanto mais constituirá verdadeiro mistério o casamento impoluto. Este não é
carnal, mas puro; não pertence à paixão, mas à vontade; não pertence às trevas ou
à noite, mas ao dia e à luz. Se a união matrimonial se realiza a descoberto,
fica reduzida a um ato de fornicação. Não só quando a esposa recebe o sêmen de
outro homem, mas também quando abandona a sua alcova à vista [de outros],
comete um ato de fornicação. Só lhe é permitido mostrar-se ao seu próprio pai,
à sua mãe, ao amigo do esposo e aos filhos do esposo. Estes podem entrar todos
os dias na câmara nupcial. Os demais que se contentem com o desejo, ainda que
apenas seja o de escutar sua voz e de gozar de seu perfume e de alimentar-se
dos restos que caem da mesa como os cães. Esposos e esposas pertencem à câmara
nupcial. Ninguém poderá ver o esposo e a esposa, a não ser que [ele mesmo]
venha a sê-lo.
122
Quando a Abraão [foi dado] ver o que teve de ver, circuncidou a carne do
prepúcio, ensinando-nos [com isso] que é necessário destruir a carne [...] do
mundo. Enquanto suas [paixões estão escondidas], persistem e continuam vivendo,
[mas se saem à luz] perecem, [a exemplo] do homem visível. [Enquanto] as entranhas
do homem estão escondidas, o homem está vivo; se as entranhas aparecem e saem
dele, o homem morrerá. O mesmo ocorre com a árvore: enquanto sua raiz está
oculta, deita brotos e [se desenvolve], mas, quando sua raiz se deixa ver, a
árvore seca. Acontece o mesmo com qualquer coisa que tenha chegado a ser
[neste] mundo, não só de forma manifesta como também oculta: enquanto a raiz do
mal está oculta, este se mantém for-te; assim que se revela se desintegra e -
logo que se manifestou-se desvanece. Por isso diz o Logos: "Já está posta
a acha na raiz da árvore". Esta não podará, [pois] o que se poda brota de
novo, mas cavará até o fundo, até arrancar a raiz. Mas Jesus arrancou de todo a
raiz de todos os lugares, enquanto que outros [o fizeram unicamente] em parte.
No que se refere a nós, todos e cada um devemos socavar a raiz do mal que está
em cada qual e arrancá-la inteiramente do coração. Erradicamos [o mal] quando o
conhecemos, mas, se não nos dermos conta dele, deita raízes em nós e produz
seus frutos em nosso coração; assenhoreia e sede nós e faz-nos seus escravos;
tem-nos presos em suas garras para que façamos aquilo que [não] queremos e
[omitamos] aquilo que queremos; é poderoso porque não o reconhecemos e enquanto
[está ali] continua agindo. A ignorância [é sua mãe [...]; a ignorância [está
ao serviço de [...]; o que provém [dela] nem existe, nem [existe], nem
existirá. [Mas aqueles que vêm da verdade] alcançarão sua perfeição quando toda
a verdade se manifestar. A verdade é como a ignorância: se está escondida,
descansa em si mesma; mas se se manifesta e é reconhecida, será objeto de
louvor porque é mais forte do que a ignorância e do que o erro. Ela dá a
liberdade. Já disse o Logos: "Se reconhecerdes a verdade, a verdade vos
fará livres." A ignorância é escravidão, o conhecimento é liberdade. Se
reconhecermos a verdade encontraremos os frutos da verdade em nós mesmos; se
nos unirmos a ela, nos trará a plenitude.
123
Agora estamos de posse do que é manifesto dentro da criação e dizemos:
"Isto é o só-lido e o cobiçável, enquanto que o oculto é débil e digno de
desprezo". Assim ocorre com o elemento manifesto da verdade, que é débil e
desprezível, ao passo que o oculto é o sólido e digno de apreço. Manifestos são
os mistérios da verdade à maneira de modelos e imagens, ao passo que o quarto
nupcial — que é o Santo dentro do Santo — mantém-se oculto.
124
O véu ocultava no princípio a maneira como Deus governava a criação; mas quando
se rasgar e aparecer o interior, esta casa ficará deserta, ou melhor, será destruída.
Mas a divindade, em seu conjunto, não abandonará estes lugares [para ir-se] ao
Santo dos Santos, pois não poderá unir-se com a [luz acrisolada] nem com a
Pleroma sem [mácula]. Ela se [refugiará] melhor sob as asas da cruz e [sob
seus] braços. A arca [lhes] servirá de salvação quando o dilúvio de água
irromper sobre eles. Os que pertencerem à linhagem sacerdotal poderão penetrar
na parte interior do véu com o Sumo Sacerdote. Por isso rasgou — se aquele não
só pela parte superior, pois [senão] só se haveria aberto para os que estavam
acima; nem tampouco se rasgou unicamente pela parte inferior, porque [senão]
apenas se haveria mostrado aos que estavam abaixo. Mas rasgou-se de alto a
baixo. As coisas de cima nos ficaram visíveis a nós que estamos embaixo, para
que possamos penetrar no recôndito da verdade. Isso é realmente o apreciável, o
sólido. Mas nós havemos de entrar ali através de debilidades e de símbolos
desprezíveis, pois não têm valor algum diante da glória perfeita. Há uma glória
acima da glória e um poder acima do poder. Por isso nos foi dado patentear o
perfeito e o segredo da verdade. E o Santo dos Santos se [nos] manifestou e a
câmara nupcial nos convidou a entrar.
Enquanto
isto permanece oculto, a maldade está neutralizada, se bem que não tenha sido
expulsa da semente do Espírito Santo, [pelo que] eles continuam sendo escravos
da maldade. Mas quando isto se manifestar, então se derramará a luz perfeita
sobre todos os que se encontrarem nela e [receberão] a unção. Então ficarão
livres os escravos e os cativos serão redimidos.
125
[Toda] planta que [não] haja sido plantada por meu Pai que está nos céus [será]
arrancada. Os separados serão unidos [e] cumulados. Todos os que [entrarem] na
câmara nupcial irradiarão [luz], pois eles [não] engendram como os matrimônios
que [...] atuam na noite. O fogo [brilha] na noite e se apaga, mas os mistérios
destas bodas se desenvolvem de dia e [em plena] luz. Este dia e seu fulgor não
têm ocaso.
126
Se alguém se faz filho da câmara nupcial, receberá a luz. Quem não a recebe
enquanto se encontra nestas paragens, tampouco a receberá em outro lugar. Quem
recebe essa luz não poderá ser visto nem detido, e ninguém poderá molestá-lo
enquanto viver neste mundo o mesmo quando houver saído dele, [pois] já terá
recebido a verdade em imagens. O mundo se converteu em éon, pois o éon é para
ele plenitude, o é desta forma: manifestando-se a ele exclusivamente, não
oculto nas trevas e na noite, mas oculto em um dia perfeito e em uma luz santa.
O
Evangelho de Filipe constitiui um dos livros apócrifos da biblioteca de Nag
Hammadi; à semelhança do Evangelho de Tomé, é um evangelho de ditos, ou seja,
uma colecção de sentenças encerrando grande sabedoria, atribuídas a Jesus.
A
atribuição do texto a Filipe é conjunturalmente moderna; a sua única relação
com o apóstolo São Filipe deve-se ao facto de ser o único apóstolo mencionado
nos manuscritos (73, 8). Na verdade, o texto deve ter sido redigido algures
entre os anos 180 e 350 da nossa Era, portanto muito depois da morte do
discípulo de Cristo.
O
texto constituiu um importante documento para as comunidades gnósticas. Foi
descoberto no deserto egípcio em 1945, entre um conjunto de vários documentos
gnósticos, conhecidos como biblioteca de Nag Hammadi (do nome do sítio
arqueológico onde foram descobertos).
Filipe
Apóstolo foi um apóstolo de Cristo e mártir. Diz a tradição, através de Eusébio
de Cesareia, que era casado, tinha duas filhas e teria realizado muitos
milagres, inclusive revivido - não ressuscitado, assim como com Lázaro - um
defunto em Hierápolis. Não deve ser confundido com São Filipe, o Evangelista, o
diácono que evangelizava Samaria, de acordo com a história relatada nos Atos
dos Apóstolos.[1][2]
Também
diz a tradição que Filipe pregou o Evangelho na Palestina, Grécia e na Ásia
Menor, onde, se diz, morreu crucificado e apedrejado no ano 80 em Hierápolis,
na Frígia.
São
Filipe era natural de Betsaida, uma cidade da Galileia (São João 1:44).
De
acordo com o Evangelho segundo São João (1:43), diz-se que São Filipe foi
chamado por Jesus para ser seu seguidor e que foi ele quem apresentou São
Natanael a Cristo.
NOTA: Em verdade vos digo, que este texto a de ser lido não com os olhos da carne, mais sim com os do espirito, deve-se ler com inspiração, pois aquele que de modo diferente o fizer, mais lhe será a sua confusão. Aquele que confuso se fizer e boa vontade tiver em seu intendimento, que em busca da verdade saias, porque certamente esta lhe virá a seu encontro...
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